sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

EXECUÇÃO ORÇAMENTAL - PARA LÁ DO OPTIMISMO

Desgoverno: os optimistas podem sempre chorar mais tarde
Jornal i online, por Carlos Ferreira Madeira, Publicado em 24 de Fevereiro de 2011

Temos um governo optimista na redução do défice, no crescimento económico, no aumento das exportações. Portugal seria um paraíso se não existisse realidade

O primeiro-ministro de Portugal tem a virtude de ser um optimista. Reconheça-se que não é coisa fácil. Conhecidos os dados da execução orçamental de Janeiro, José Sócrates trouxe- -nos as boas novas: a redução do défice da administração central foi de 398,2 milhões de euros (-58,6%), face ao valor de 2010, e é "um bom começo para a execução orçamental em vigor", que dá "confiança" aos portugueses. Os mesmos que, segundo o inquérito de Novembro do Eurobarómetro, são o povo mais pessimista da União Europeia.

Este hiato entre o que pensa o primeiro-ministro e o que sente o povo por ele governado explica-se por uma coisa simples chamada realidade. E a realidade é esta: o défice diminuiu, como sempre, graças ao aumento da receita fiscal (15,1%) que os portugueses pagaram, permitindo subidas de 26% dos impostos directos (IRS, IRC) e 8% dos indirectos (IVA, imposto sobre veículos, tabaco). Os horrorosos mercados também não ficaram muito confiantes com o optimismo do engenheiro e os juros da dívida continuaram a imparável escalada.

Terá já passado pela cabeça dos optimistas que - ao contrário de Espanha - Portugal ainda não mostrou serviço na redução da despesa? O duodécimo argumento do governo, que estabeleceria uma redução de 2,6% na despesa efectiva em Janeiro de 2011, não esconde este facto: a despesa aumentou 0,9%. Convém deixar claro que os cortes salariais se diluem pelo aumento de 56,5% na despesa com aquisição de bens e serviços do Estado e pela subida de 23,1% nos encargos com juros. Paulo Trigo Pereira, professor do ISEG, explicou num artigo, no "Público", que o "objectivo da consolidação para 2011 é reduzir o défice 3,135 mil milhões de euros e que o contributo do subsector Estado para esta redução é de 2732,5 milhões e que 94,2% provirá de um aumento das receitas. Ou seja, apenas 5,8% derivam da diminuição da despesa".

Aumentar impostos é a fórmula mágica para tirar coelhos da cartola. Mas não tranquiliza os portugueses. Dúvida: será que este povo pessimista é também masoquista e vai a correr votar no governo do optimismo? O défice que o governo criou e que agora combate custa demasiado caro. Falta de memória? O ministro das Finanças, Teixeira dos Santos, disse a 12 de Março de 2010 que Portugal iria ganhar o combate ao défice cuja redução seria feita "em 60% do lado da despesa". Optimista. A história é conhecida: entraram 2,8 mil milhões de euros nos cofres públicos via fundo de pensões da PT. Dito isto, o governo está a cortar na despesa. Em 2010 fê-lo no sector que dizia estar a ser atacado à direita: o Estado social. Foram menos 630 milhões de euros em apoios e prestações sociais. A tendência vai continuar este ano e os portugueses, naturalmente, estão "optimistas" - até porque a despesa dos institutos públicos aumentou 6,5%.

A bruta realidade mostra outra tendência: o Banco Central Europeu está a fechar a torneira e ameaça estrangular a economia. Em Julho de 2009, o BCE emprestou aos bancos portugueses 9,3 mil milhões de euros (1,3% do PIB da zona euro) num total de 775,7 mil milhões distribuídos na Europa. Em Janeiro de 2011, o BCE emprestou 494,8 mil milhões aos bancos da zona euro. A factura acumulada dos bancos portugueses vai em 41 mil milhões, ou seja, 8,3% do PIB da zona euro.

Até a mediana inteligência política do país percebe que esta realidade é insustentável. Mas viva o optimismo. Como dizia Lucimar Santos de Lima: "Ser optimista não dói. Pode sempre chorar mais tarde."

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