quarta-feira, 15 de junho de 2011

AS ESCUTAS (3)

Pela actualidade, transcrevo parte de um artigo do Juiz Rui Rangel, no CM: aqui



As escutas do ‘Face Oculta’

Vamos ao valor jurídico-processual das famosas escutas.

Noronha Nascimento diz que as ditas cujas não têm qualquer valor para o processo ‘Face Oculta’ e que por isso deviam ser imediatamente destruídas.

Carlos Alexandre entende que as escutas podem ter interesse e, antes de serem destruídas, deve notificar-se os arguidos para se pronunciarem sobre o despacho que ordenou a sua destruição, proferido por Noronha Nascimento.

Ambos tiveram intervenção neste processo, no que às escutas diz respeito, e agiram revestidos da mesma qualidade, ou seja, de juiz de instrução criminal. A legitimidade e a força jurídica dos dois equivalem-se neste processo.

Noronha Nascimento tem legitimidade para mandar destruir as escutas em que um dos escutados é o primeiro-ministro. Carlos Alexandre tem legitimidade para mandar notificar as partes do despacho de destruição para se pronunciarem. Mas já é duvidoso afirmar, como faz Noronha Nascimento, que as escutas não interessam para a investigação criminal deste processo. E por uma razão simples: o expediente a que teve acesso reporta-se só ao segmento das escutas, sendo uma infinita parcela deste monstro processual; nessas escutas podem existir pistas interessantes de investigação para os arguidos visados.

Vamos, agora, ao valor público das escutas.

Não ter interesse para o processo não é o mesmo que não ter interesse social, público e histórico.

A destruição hipoteca o conhecimento das novas gerações sobre o que se terá passado, seja para reprovar comportamentos seja para os libertar de infundadas acusações. Assim, se as escutas ficassem arquivadas e reservado o seu conhecimento durante vários anos, sempre era possível, um dia, saber-se o seu conteúdo.

Só no Estado Novo se mandava destruir documentos que podiam ter interesse público.

As escutas têm manifesto interesse público. Não se pode privar os portugueses desse conhecimento e não é por meros sentimentos mórbidos, que são, obviamente, desprezíveis. O lado privado de um primeiro-ministro é muito curto nestes domínios e ninguém se pode esconder por detrás das conversas telefónicas com um primeiro-ministro. Pelo menos é assim que deve ser nas democracias civilizadas.

Ter um lugar na história por impedir esse conhecimento do público, da comunicação social e dos investigadores não fica bem. Quem perde é a transparência e a democracia. A justiça não pode ter esse poder.
 
 

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