terça-feira, 22 de março de 2011

Ajustamento

Paulo Lopes Marcelo (AQUI)

Depois de longos anos de perda de competitividade, espelhada no crescente desequilíbrio externo, Portugal vive agora um violento processo de ajustamento.

E o pior é que estamos apenas no início: as medidas de austeridade que nos estão a conduzir a uma crise política, são só um prelúdio de um longo caminho que pode conduzir, inclusive, à nossa saída do euro.

O choque com a realidade aconteceu, o ajustamento começou; a pergunta decisiva é como fazer esse ajustamento?

Este Governo tem-nos servido a austeridade às postas, sempre bem regadas com impostos, garantindo que cada uma é a última. Acontece que depois de cada dose vem outra pior que a anterior. E não se vislumbra uma estratégia, um plano por detrás dos cortes. A apresentação de Teixeira dos Santos sobre o PEC IV é disso exemplo: mais impostos, menos salários e pensões, com umas banalidades sobre "reformas" no final do powerpoint.

Não digo que os cortes não sejam necessários, longe disso, mas fazem-me lembrar aquelas dietas iô-iô, que fazem sofrer mas não resolvem nada. Ultrapassado o sufoco, os salários e pensões voltarão a subir por pressão política e voltará tudo à casa da partida.

Claro que a austeridade é incontornável. Mas já que temos de emagrecer que se corte na gordura e não no músculo. Para isso o próximo governo tem de fazer uma radiografia completa do Estado, para perceber onde se gasta o dinheiro. Depois é necessário redefinir as funções do Estado, tarefa várias vezes iniciada mas nunca terminada. Aqui entra a parte política, mais polémica e difícil, mas fundamental para permitir que os recursos (escassos) sejam gastos no essencial, sem prejudicar o apoio aos mais carenciados.

O mesmo exercício tem de ser feito com o sector público empresarial: é necessário saber o serviço público concreto prestado por cada empresa, identificando as que só servem para consumir recursos e alimentar clientelas.

Enquanto não fizermos isto estamos a perder tempo. Os cortes propostos são dolorosos, mas não resolvem nada se não forem acompanhados de reformas corajosas e não meras intenções ou teatros para alemão ver.

Falta uma estratégia de crescimento económico - o choque tecnológico já não embala ninguém - que passa por encolher os longos braços do Estado, libertando a sociedade, pessoas e empresas, permitindo que respirem de uma carga fiscal asfixiante e que sejam mais autónomas e inovadoras. Acabar com feudos públicos e privilégios de antiguidade. Mudar as leis do trabalho premiando o mérito e a mobilidade profissional.

Acabar com a banalização do crédito que conduziu à nossa escravidão.

Não é justo que os contribuintes, funcionários e pensionistas continuem a suportar ilimitadamente o peso de um Estado gordo e anafado que não se consegue reformar. Já que temos de ter austeridade pelo menos que seja feita para nos salvar. É tudo isto que está em causa amanhã com a votação do PEC no Parlamento.

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