terça-feira, 22 de março de 2011

Casa em que não há pão…

Miguel Lebre De Freitas (AQUI)

Nos últimos dias, tem sido muito badalada a ideia de que a crise política precipitará o recurso à ajuda externa.  Mas na realidade, o que se passa é precisamente o contrário: a emergência de uma crise política em Portugal tornará mais distante a possibilidade de o País recorrer à tão necessária ajuda externa. 

Que o País precisa de um plano de ajuda, é evidente. Ao longo do último ano, o BCE adquiriu mais dívida portuguesa do que toda a nova dívida emitida pela República. Esse dado atesta a total incapacidade do nosso país em conseguir aumentar o seu financiamento junto de entidades privadas. E se alguma dúvida existia há uns meses quanto à necessidade de ajuda, a reacção dos mercados às execuções orçamentais de Janeiro e de Fevereiro foi contundente: já não importa que as receitas fiscais tenham aumentado 15%, que o défice tenha diminuído 50% ou mesmo o aparecimento de um superavit em Fevereiro. O que importa é que, com as taxas de juro actuais, a dívida pública está numa trajectória insustentável e essa trajectória inviabiliza qualquer movimento descendente das taxas de juro. Os mercados embalaram num equilíbrio inferior e apenas um acontecimento suficientemente drástico como a implementação de um programa de ajustamento orçamental apoiado pelo FMI poderá ajudar a coordenar as expectativas dos agentes económicos em torno de um cenário de estabilização.

Como é evidente, o Governo sabia que o recurso à ajuda externa era inevitável. Ou então não teria estado tão empenhado na discussão sobre a flexibilização do fundo de resgate europeu. Tudo o resto é uma questão de semântica. O problema é que o recurso ao fundo europeu (que inclui financiamento do FMI) requer a aprovação prévia, por parte de três instituições (Comissão, BCE e FMI), de um plano de ajustamento orçamental com o qual o país se possa comprometer. O facto de a revisão do PEC ora proposta ter sido elaborada em conjunto com o BCE e a Comissão está em linha com esse requisito, e por conseguinte a sua aprovação pelo parlamento nacional seria meio caminho andado para obter o dito aval, assim que a ajuda fosse solicitada. Naturalmente, as instituições europeias não andam a brincar e, uma vez chamadas a opinar, solicitaram que fosse emendada a previsão de -0,7% para o crescimento do PIB que serviu de base à elaboração do Orçamento de 2011. Corrigida a previsão de receita para um cenário menos optimista, tornou-se necessário complementar o Orçamento de 2011 com medidas suplementares de contenção de despesa, entre as quais a travagem do investimento público. Além disso, era necessário explicar como é que, na prática, vão ser atingidas as metas anunciadas para os défices de 2012 e 2013.

Em suma, esta revisão do PEC, além de dar cumprimento ao novo calendário europeu, especificando as medidas adicionais que o Governo entende necessárias para cumprir as próximas metas orçamentais, acomoda a necessidade de recolher o apoio de instituições que, em última análise, vão apreciar o plano de ajustamento orçamental, na altura em que for activado o mecanismo de ajuda. Ora, se a Assembleia da República inviabilizar o PEC, inviabiliza também o instrumento através do qual o País explica a sua estratégia de ajustamento orçamental. E como as instituições internacionais não podem validar um plano que não existe, basicamente isso significa que o País fica entregue a si próprio, impossibilitado de recorrer à ajuda externa, pelo menos até se poder comprometer com um plano alternativo.

Nessas circunstâncias, o que se desenha no horizonte é um cenário de agravamento brusco da conjuntura económica. É importante recordar que, até Julho, a República vai ter que emitir pelo menos 11.8 mil milhões de euros de nova dívida, só para fazer face à amortização de dívida existente. E a questão que se coloca é a de saber em que condições o País se apresentará perante os credores, à medida que a dívida for vencendo.

Uma coisa é certa: o cenário de campanha eleitoral que se avizinha não é propriamente o melhor para sossegar os investidores. Na campanha, o partido que se segue, o PSD, tem duas hipóteses: ou explica muito bem como vai efectuar o ajustamento orçamental, para acalmar os mercados, mas arriscando uma fuga generalizada de votos para as franjas populistas, tornando o País mais ingovernável do que até aqui; ou procura suavizar o discurso, tentando a maioria absoluta, mas ficando preso a promessas de facilidade, que não serão bem aceites, nem pelos credores, nem pelas instituições internacionais que vão apreciar o programa. Em qualquer dos casos, vamos atravessar um período de incerteza acrescida, durante o qual será extremamente difícil emitir dívida de longo prazo. Um futuro mais caro, portanto.

Se, como parece vir a ser o caso, o PEC for reprovado e o Governo se demitir, seria muito melhor para todos nós a constituição de um Governo de iniciativa presidencial, suportado por uma maioria parlamentar e com mandato para negociar imediatamente um plano de ajuda externa. Infelizmente, parece que nem essa porta está aberta. Com base naquilo que vem na imprensa, somos levados a pensar que os nossos representantes estão mais empenhados na combate político do que no interesse nacional: o presidente terá marcado a sua tomada de posse preparando o terreno para a batalha; o primeiro-ministro terá anunciado em Bruxelas medidas que não podia decidir sozinho, colocando a oposição entre a espada e a parede; finalmente, o líder da oposição terá afinado, atirando para a parede todo o capital de credibilidade com que entretanto nos brindara, em lugar de esperar pacientemente que a maioria absoluta lhe caísse aos pés, o que certamente seria mais ajuizado e melhor para o País.

Numa palavra, não estamos apenas brutalmente expostos aos sentimentos do mercado, estamos também ainda mais brutalmente expostos aos sentimentos dos nossos políticos. Estes entenderam atirar-se para a guerra na pior altura, eventualmente convencidos de que é possível virar o disco e tocar o mesmo. Mas o resultado da contenda pode vir a determinar um gira-discos bem mais encravado do que o anterior.


Professor da Universidade de Aveiro

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