terça-feira, 22 de março de 2011

Porquê tanto medo do FMI?

Avelino de Jesus  (TEXTO COMPLETO: AQUI)

Para muitos analistas, a persistente rejeição dos poderes públicos à "entrada do FMI" está a transformar-se numa atitude irracional, motivada por resquícios de ultrapassados julgamentos ideológicos, qual última barreira ao avanço do "neo-liberalismo". É um erro - e uma ingenuidade - pensar assim. Por um lado, aquela atitude é bem cerebral e, por outro, o descaramento das políticas da chamada terceira via há muito curou aqueles pruridos ideológicos.

Há que procurar melhor as verdadeiras razões.

De facto, a recusa em aceitar pacificamente a colaboração do FMI - tão frequente e veementemente afirmada - não releva nem da ideologia, nem da irracionalidade. Pelo contrário, aquela atitude repousa numa rigorosa análise das consequências previsíveis da intervenção do FMI sobre a opacidade da informação e dos processos de decisão em fundamentais aspectos da política económica.

O medo do FMI é - antes de tudo o resto - temor da capacidade de análise e de revelação do estado real da economia portuguesa, em geral, mas sobretudo, no âmbito dos compromissos públicos constantes nos contratos das parcerias público - privadas e concessões e em todos os compromissos implícitos e não publicitados propiciados pela reinante promiscuidade entre os sectores público e privado.

No processo, em curso, de renegociação do Fundo Europeu de Estabilização Financeira alguns viram uma certa subalternização do FMI. Viram mal.

Recordemos que, no ano passado, quando se organizou o processo de ajuda à Grécia, a participação do FMI, a princípio, foi muito contestada. Mas aquela participação acabou por ficar consagrada e é hoje considerada indispensável. De facto, o FMI é insubstituível devido à sua capacidade técnica, à sua independência e à profundidade do trabalho de recolha de informação das suas equipas de peritos.

Devemos recordar que em múltiplas situações - antes e depois da criação do euro - as instituições da União Europeia falharam, redondamente, na despistagem atempada dos incumprimentos e na confirmação de dados estatísticos relevantes. Estas falhas ocorreram em relação a vários países - a Grécia é apenas o caso mais gritante.

As falhas devem-se, por um lado, a deficiência técnicas e, por outro, a razões de ordem política, derivadas do modo negociado como são constituídas as equipas e elaborados os métodos de trabalho.

No confuso processo de renegociação em curso parece ser desejo de alguns que o FMI desapareça do caminho. Não é provável que tal ocorra, pelos motivos que atrás enuncio. Os avanços e recuos nos chamados "testes de stress" aos bancos europeus mostram as dificuldades informacionais que defrontamos na Europa. As negociações em curso, estarão irremediavelmente desactualizadas, dentro em pouco, quando se conhecerem os pormenores da segunda ronda dos "testes de stress" do bancos.

É certo que o FMI é apenas um parceiro e não tem uma palavra determinante na formulação das políticas. A influência do Conselho Europeu resulta numa composição desequilibrada de interesses em que os devedores são prejudicados por uma visão de curto prazo que prevalece. (A fixação, à Grécia e à Irlanda, de elevados juros e de prazos de pagamento reduzidos, e o escandaloso pedido à Irlanda - logo recusado - para aumentar a taxa de IRC são boas ilustrações dos limites deste processo.)

O episódio, relatado pela edição alemã do "Financial Times", das "diferenças" encontradas pelas equipas do BCE e da Comissão Europeia que recentemente visitaram o país é bem ilustrativo dos problemas em causa. A confiança na informação constitui um pressuposto básico num processo de normal de formulação e implementação da política económica.

Ainda que "flexibilizado", o Fundo Europeu de Estabilização Financeira não pode dispensar o FMI. Ainda bem, para a transparência das contas públicas e da clareza das relações entre os sectores públicos e privado.

A disponibilização e a fiabilidade das informações relativas a toda a actividade económica e financeira do Estado é uma exigência de grande alcance moral que, infelizmente, muitos teimam em menosprezar.


Economista e professor do ISEG

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